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Comentário:

Inácio de Loyola, o filme, suscita muitas interrogações e se presta a leituras diversas. Deixo de lado a questão sobre a fidelidade histórica do filme, sua correção teológica em vista do que Sto. Inácio escreveu e me atenho apenas  a três observações. apenas.  

Começo pela jornada de Inácio que, à semelhança do tema imemorial da jornada humana, envolve três etapas. A segurança inicial, a do militar corajoso, dá lugar à crise, representada, de início, pelo ferimento na batalha e, um pouco mais tarde, pela angústia que antecede a conversão. A decisão de se entregar mais radicalmente à missão conclui o percurso. Jornadas e sua inevitabilidade enquanto experiência humana, e humanizadora, lembram que o primeiro equilíbrio estará sempre aquém de nós mesmo, o que será, esse é o seu melhor destino, sucedido por alguma espécie de crise, por algum abandono, por alguma partida. É essa hora, na qual o passado já não existe e o futuro ainda não se anunciou, que é lembrada como uma noite escura, feita de despedaçamentos. E mais adiante, quando alguma serenidade aparecer, já não nos reconheceremos na sombra que iniciou a jornada. É o que São Paulo anuncia quando inverte o que habitualmente associamos à força e à fraqueza? 

O entrevero entre Inácio e os inquisidores põe em cena uma controvérsia que acompanha a história do cristianismo, a oscilação entre dois pólos igualmente necessários, ou seja, de um lado, a força do já instituído e, de outro, a pressão para a renovação que vem dos gestos instituidores. Que essa tensão não tenha se afrouxado diz muito sobre a duração e a contundência do cristianismo. Se essa tensão nos parece evidente, as razões que talvez a expliquem não o são. Encontram-se, quem sabe, encontram na condição humana, o lugar onde ocorre a experiência religiosa. Pertencemos a dois mundos, simultaneamente habitados por nós. Existimos entre o finito e o infinito, cidadãos de dois territórios, sem qualquer prerrogativa real de optar por um deles apenas. Nenhuma realização na finitude, qualquer que seja a sua natureza, nos esgotará e, de igual modo, nenhuma suposta evasão que imagine suprimir nossa finitude será possível. Nenhuma perfeição e nenhum acabamento estão ao nosso alcance. Não o que diz o Evangelho sobre a permanente labuta do humano que não tem onde repousar sua cabeça? 

Observo, por fim, a insistente recomendação de Inácio para que observemos os novos problemas postos pelo cenário social, que já não é o medieval, e para o qual ainda não contamos com maiores recursos de compreensão. O homem a ser educado na tradição cristã ganha nesse momento, a aurora da modernidade, uma espessura inédita. Já não basta a doutrina clássica, os meandros da alma humana revelam-se ainda mais complexos e será necessário todo um novo arsenal, todo um conjunto de exercidos, para tornar visível o que, até aqui, mantinha-se invisível. Aqui a lição de Inácio é clara: há novas fronteiras abertas pela história, é a elas que o cristianismo deve estar atento, é delas que decorrem os desafios a serem enfrentados. E talvez essa seja uma das interrogações dirigidas aos cristãos pelo filme: quais são as fronteiras onde os cristãos desse tempo que é o nosso, devem estar presentes?

Ricardo Fenati

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